A música “Turn My Way” do álbum Get Ready do New Order diz: “ I do not want to be like other people are, don’t want to own a key, don’t want to wash my car, don’t want to have to work like other people do. I want it to be free. I want it to be true.” Esta letra resume o que eu vejo na atitude em relação à vida de algumas pessoas da minha geração e muito mais pessoas das gerações que vieram após a minha. Um sentimento de que somos especiais e únicos demais para termos empregos e vidas “normais”. Eu, que vejo através de toda a névoa de mediocridade e compreendo a verdadeira essência da vida, devo perseguir meus ideais e todo o resto do mundo deve a) pagar por isso e, b) ser grato enquanto recipientes de minha inerente genialidade.
Olhe ao redor. Desde o final dos anos 60, todos os filmes, toda a música, livros e tudo o mais está cheio de mensagens sublineares sobre o quão especial você é e como você deve “seguir o ser coração” e “caminhar o seu caminho”. A maioria dos filmes é cheio de adulações àqueles que “quebram as regras”. Agora mais do que nunca as mensagens estão em todo lugar sobre a) como ser uma celebridade é o mais alto estado de realização humana possível, e b) você também será uma estrela, é apenas uma questão de tempo até que alguém enxergue a genialidade de sua alma. Eu me lembro de ler um artigo no New York Times onde entrevistaram adolescentes que largaram o segundo grau sobre como eles pensavam em viver suas vidas. Um deles disse que não seria um problema ter largado a escola porque ela seria uma modelo, e, se não desse certo, seria veterinária.
Onde a música do New Order toca mais fundo é quando “casa” esse sentimento de “ser especial demais para ter um emprego normal” com o sentimento que devemos nos manter fiéis a nós mesmos e experimentar as coisas como elas “realmente são”. Não ser consumido por toda a mediocridade da vida contemporânea, particularmente no que diz respeito ao ideal americano. Também funciona reversamente – podemos nos sentir especiais e puros e verdadeiros demais para suportarmos um emprego normal, porque vemos através de toda a mediocridade e isso faz mais difícil “fazer parte do sistema” do que o é para as pessoas “normais” que, assumimos, só pensam em ir ao shopping, em comer fast-food, manter conversações superficiais e assistir superproduções no cinema. Veja bem que conveniente - de qualquer jeito tudo trata de o quão especial você é e como você sozinho consegue enxergar toda a mediocridade.
Ghost World resume esse fenômeno. O filme é sobre uma garota ( Enid ) que vê sarcástica e cinicamente a mediocridade de tudo o que acontece ao seu redor, e como ( com cinismo e sarcasmo ) ela lida (ou não lida) com isso.
Recheado de numerosos detalhes que acabam formando um mosaico, a trama corre e é contada com pequenos toques que acumulam no seu decorrer. Me ocorreu na última vez que assisti que o senso de humor seco e foco nos pequenos detalhes de Napoleon Dynamite não poderiam existir se esse filme não tivesse sido feito.
A razão pela qual Ghost World funciona tão bem é que a grande maioria das pessoas é induzida a acreditar que Enid tem razão. O mundo ao seu redor é permeado por falsa e forçosa sinceridade, banalidade, por um agarrar-se desesperadamente a elusivas visões de felicidade. Uma quantidade de risadas é gerada pela primeira metade do filme ao reconhecermos os detalhes preciosos de nossas próprias vidas, e a excitação que provem de encontramos um filme que compartilha a mesma visão de mundo que nós possuímos.
Enid enxerga o quão estúpido, falso e sem sentido é virtualmente todo aspecto da realidade suburbana que a circunda. E, como uma pessoa inteligente, ela não quer participar nessa realidade. Ela quer ser diferente, ficar ao mesmo tempo marginal à cultura e poder desdenha-la e também ser sincera em seus próprios atos e sentimentos. Os vários comentários cáusticos que ela faz a seus amigos podem ser vistos como uma tentativa de conectar com eles sinceramente, em contraste com a falsidade generalizada ao seu redor. Ela não é em nenhum momento mais ofendida no filme como quando alguém comenta que seu visual não passa de uma tentativa retrô quando na verdade “se trata de um visual genuinamente punk 77!”
O problema é que, errado, estúpido e falso quanto tudo seja, se você não participar de alguma forma, você acaba embarcando num ônibus sem destino. Este aspecto é o que realmente eleva este filme acima de ser meramente um filme bonitinho sobre nerds adoráveis como Napoleon Dynamite, para ser uma afirmação séria sobre um fenômeno social dessa geração. O ambiente social amplamente analisado, os personagens profundos e realísticos e o quebra cabeça moral delicadamente disposto fazem de Ghost World mais do que a soma de seus personagens.
Quando eu primeiro assisti o filme no cinema, eu me lembro de especular sobre como ele terminaria; talvez Enid conhecesse alguém, ou ela ganharia uma bolsa para estudar artes, ou algo de bom aconteceria. Durante a última meia hora, quando todas as saídas estavam se fechando para ela, eu me lembro de uma sincera preocupação sobre “o que vai acontecer com essa menina”. Não há dúvidas que o filme não teria nem de perto o impacto que ele de fato tem se não se houvesse tido a coragem de levar sua estória a sua conclusão natural, e de concluí-lo de forma tão artística e evocativa.
Também me lembro pensando sobre o que eu havia escutado de diversas pessoas que haviam assistido o filme antes de mim dizer: que era hilário! Eu só podia balançar minha cabeça; com certeza há momentos engraçados, mas de uma maneira geral, para mim esse filme é angustiantemente doloroso. Provavelmente porque eu me reconheça e reconheça diversos de meus amigos na luta de Enid por permanecer livre de toda a mediocridade que nos rodeia. E também a sua resistência ao ser forçada a participar numa sociedade que não dá opção entre fazer parte ou simplesmente desaparecer.
Ao perfeitamente capturar a generalizada crueldade de uma cultura inteira, e então evocativamente e precisamente criar uma imagem tão precisa de certa geração e os dilemas morais e espirituais que ela encara, ou recusa encarar, este filme se torna uma afirmação ou uma declaração definitiva da situação atual e futura daqueles que nasceram nos anos 70 e 80.
Fonte: © 2005-2008 Cinema de Merde
Tradução: Drigo
Ghost World está disponível na Vídeo Beta.
Diretor: Terry Zwigoff
Com: Thora Birch, Scarlett Johansson, Steve Buscemi, Illeana Douglas, Bob Balaban
Wiki: Ghost World é um filme de 2001 baseado num comic book de Daniel Clowes. Apesar de o filme não ter sido um sucesso comercial recebeu diversos prêmios e foi aclamado pela crítica estabelecendo-se com um Cult e ícone pop.
A estória foca na vida de duas adolescentes e sua vida suburbana, presumidamente nos arredores de Los Angeles.
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