terça-feira, 20 de outubro de 2009

Bomba Anarquista ou Instrumento de Controle?

Somos ferramentas de nossas ferramentas, postula Neil Postman em Technopoly (wikipedia). Segundo ele, novas ferramentas alteram nossa maneira de pensar de forma a conferir a uma cultura sua noção sobre o que é razoável, o que é necessário e o que é real.

Se tomarmos as teorias de Postman por verdade, nada as ilustraria melhor do que o Ipod, que deste ponto de vista vem escravizando milhões, criando uma necessidade crescente por mais memória, mais usos, mais tamanhos, mais cores e mais tempo dedicado a seu uso.

Fica, contudo, difícil argumentar, quando estamos presos no trânsito, no ônibus, num avião ou caminhando pela cidade, que o Ipod altera nossa realidade para melhor.

Há oito anos viemos nos familiarizando com a imagem de indivíduos conectados aos seus fones de ouvido para onde convergem veias conduzindo impulso eletrônico, encapsulando a consciência individual em sua própria paisagem. Para alguns essa visão é um desconfortante sinal de que o mundo está se tornando cada vez mais despersonalizado e desumano. Outros pensam que a privacidade de nossas consciências é agora um privilégio que beira a necessidade.

Não há como negar que desde sua inserção no começo deste século, e sua quase universal adoção pelos amantes da música, o objeto de arte em forma de tocador de mp3 fez mais do que alegrar nossas horas solitárias em aviões, trens e automóveis. Ele remodelou nossa relação com o tempo e o espaço. A razão é um fenômeno filósofos vem chamando de Podcrastinação – a suspensão voluntária de nosso engajamento com a realidade, numa versão mais sofisticada daquilo que dizem que o capitalismo nos é capaz de induzir, um estado dequase delírio

É confortante imaginar que o Ipod e a podcratinação são capazes de modificar tanto nossa noção de espaço interno quanto do mundo material que nos rodeia. Contudo temos que ao menos considerar o fato que, no caso do Ipod, a consciência, embora individual e privada, vem sendo adquirida através da indústria da consciência, ou seja, a noção de que a mídia corporativa vem sendo administrada agora de forma muito mais sofisticada e sutil, e, portanto, mais eficientemente controladora.

Talvez o Ipod nos permita não viver fora do capitalismo, mas dentro dele

Como diz Gina Arnolds, em "Podcrastination" ( Ipod and Philosophy ):

" Eu arriscaria dizer que não é o aparelho em si que vem servindo o propósito capitalista, mas sim sua capacidade de nos disponibilizar mídia corporativa gravada onde e quando a desejarmos."

Contudo um podcast não é meramente mais um meio de entrega de conteúdo corporativo.

O podcast é na verdade o aspecto do tocador de mp3 que o separa do walkman ou do rádio portátil que os antecederam. Aqueles aparelhos também nos permitiam abstração do barulho infernal do cotidiano, mas apenas o podcast é capaz de nos livrar da teia do continuum de tempo e espaço.

Um podcast é algo, em áudio ou vídeo, que aparece automaticamente no seu disco rígido, tanto quanto o rádio e a televisão apareciam automaticamente em seus respectivos aparelhos condutores. Mas diferente destas mídias, que distribuem somente conteúdo corporativo, os podcasts podem ser gravações feitas individualmente, uma espécie de equivalente às fitas cassete que gravávamos para dar de presente, só que muito mais facilmente distribuídas. O podcast nos permite transmitir conteúdo que nós mesmos criamos através da internet. Tudo o que precisamos fazer para acessá-lo é pesquisar e fazer o download de acordo com nossos interesses particulares.

Além disso, é algo que constantemente se renova, sendo atualizado cada vez que plugamos o nosso aparelho de mp3 em nosso PC. Umpodcast pode ser uma gravação feita por um amigo no exterior, um set de músicas para ser compartilhado, um especial de uma estação de rádio, um jornal anarquista ou a versão pocket do seu telejornal ou programa de TV preferido. Pode ser enviado diretamente a um indivíduo ou por meio de um servidor para o oceano de olhos e ouvidos que se conectam ao mundo virtual.

Colocando de uma forma simples, podcast é o oposto de broadcast.

Para alguns isto representa uma tecnologia sem precedentes, que garante ao indivíduo mais poder e emancipação. Para estes o Ipod é quase uma bomba anarquista. Para outros, se trata de uma forma mais sutil do propósito capitalista em controlar nossos desejos e criar necessidades artificiais.

Embora o Ipod não tenha se popularizado e conseqüentemente impactado o Brasil da mesma forma que o fez na América do Norte, Europa e Ásia, ele é o aparelho de uma geração. Enquanto o celular se impôs como um meio essencial de comunicação nos anos 90, o Ipod se impôs como um meio essencial de transmissão e entrega de conteúdo nos últimos anos.

O Iphone e outros smartphones agora unem as duas tecnologias, proporcionando um grau de interatividade jamais concebido, e com implicações em nossa percepção e interação com a realidade que só o tempo nos permitirá avaliar com profundidade.

Fontes:

Pop Philosophy Podcast

Wikipedia

Prodcastination – Ipod and Philosophy - Gina Arnolds

Tradução, Compilação e Contribuição – Drigo

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