domingo, 9 de novembro de 2008

Lingüiça tem Trema


Já reparei outro dia
Que o teu nome, ó Yvone
Na nova ortografia
Já perdeu o picilone

Noel Rosa

A aprendi a ser cauteloso com alguns conceitos e valores a nós impostos e com os quais crescemos, os tendo absorvido em nossas personalidades – sem que jamais tenhamos sequer questionado a validade, ou ao menos a real significância.

Quem estudou em colégio católico sob uma cartilha redigida pelos burocratas da ditadura militar carrega consigo mais dessas “verdades absolutas” do que gostaria de imaginar. Questionar essas verdades dá trabalho, e nos tira de nossas “zonas de conforto”, tão essenciais num mundo que parece fazer cada vez menos sentido.

Afinal, temos ou não temos a bandeira mais bonita do mundo? Nosso hino não é o mais belo? E o Português deveria ser ensinado em todo o mundo, tamanha a sua beleza.

Não cabe aqui abrir a caixa de maldades e por isso não vou questionar os nossos valores religiosos e, eu – que fui a missa hoje de manhã (juro, sem sarcasmo), não estou a fim de discutir o fardo de nossa culpa cristã.

Mas eu não sou fã de bandeiras, para mim elas simbolizam a separação de um mundo que precisa começar a pensar em termos globais. Desde que o fomos capazes de ver a terra de longe, azul, deveríamos ter abolido as bandeiras – verdes e amarelas, listradas, com seus símbolos ou sóis ou suas cores do arco íris.

Os hinos evocam em mim o mesmo desconforto, com sua capacidade de espremer lágrimas patrióticas que beiram a pieguice da novela das oito. São o hino e a Globo querendo me convencer que sou tão brasileiro quanto o caboclo nortista. Que eu tenho com ele mais em comum do que com meus amigos uruguaios ou americanos.
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Contudo - valores patrióticos à parte - eu gosto muito falar Português, e gosto mais ainda escrever em Português. Isto dito por quem tem escolha – também adoro escrever e falar Inglês, e adoraria ter essa capacidade em outros idiomas. Há pouco tempo um amigo uruguaio me mandou seus escritos em espanhol ( castellano ) e rompeu em mim um preconceito tolo, me comovendo e me fazendo enxergar enorme beleza na língua dos nossos vizinhos.

Posso comentar os dois - o Portugês e o Inglês, contudo. Posso falar da engenhosidade e praticidade do Inglês, e de como ele nos permite a criatividade. E posso falar da sonoridade e sofisticação do Português, seja o Brasileiro ou o de Portugal.

Fora a óbvia necessidade de falar para ser entendido, portando sendo isso o que primariamente me faz decidir entre uma e outra língua - são essas características peculiares de cada uma que me fazem querer usar ambas sempre que posso. Ao escrever, e se pudesse ao tempo todo, ao conversar.

Agora vem aí uma nova reforma ortográfica, tirando o acento agudo de minhas idéias e o circunflexo de meus vôos. Deixando o Português menos interessante e, senhores lingüistas (olha o trema aqui), não mais prático e usável.

Para que tirar o trema? Será que custa tanto apertar a tecla shift?

Não me importa que escrevam em Português sem acento. Jamais consegui configurar o teclado do meu laptop e muitas vezes eu o faço. A Folha de São Paulo aboliu o trema por conta própria há dois anos para depois voltar a usá-lo. Tudo bem. Só não digam que estou errado porque vou continuar escrevendo com meus tremas e circunflexos e agudos. Porque uma ideia sem acento para mim soará insossa e sem força. E freqüência terá para mim sempre o trema e o circunflexo cuja complexidade confere graça à nossa língua.

Aqui fica, portanto o meu recado. Lingüiça tem trema, e senhores lingüistas – se estão com tempo de sobra, inventem uma nova língua e deixem o Português em paz.


Drigo
Em tempo: Sejam bem-vindos de volta o ká, o dábliu e o ypsilone. Eu nunca os tive medo de usar.
O poema de Noel Rosa consta num artigo da Bravo sobre a reforma ortográfica que inspirou essa postagem.

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