terça-feira, 4 de novembro de 2008

Momentum

Eu me lembro de comentar com meu pai, há oito anos, quando Al Gore venceu e Bush roubou as eleições, de como estaríamos entrando numa era obscura, com a perspectiva de um representante da direita cristã radical republicana assumindo o mais alto cargo político do nosso planeta. 

Infelizmente meu comentário se provou coerente. Contudo, indiferente ao rumo que os EUA estavam tomando eu embarquei em seguida para a Califórnia, onde vivi seis dos oito anos da era Bush.

Dizer que o mundo é o lugar pior hoje seria um comentário limitado e tendencioso, moldado pela minha experiência pessoal do “mundo” nesses últimos oito anos, e baseado em meus valores pessoais.

Politicamente vivemos a decadência da democracia no mundo. No centro do poder e pai dos valores democráticos - os Estados Unidos da América - assistimos o patético espetáculo do desmoronamento destes valores, quando num momento crucial para a consolidação dos mesmos, George Bush, se aproveitando da quase completa ignorância de sua população em relação ao que ocorre no planeta (ou mesmo do fato de que há um “resto” do planeta), vem ameaçando não só as liberdades civis de seu povo, mas a estabilidade do mundo inteiro com sua unilateral busca por “segurança”.

Sob a desculpa da “Guerra Contra o Terror” Bush afogou berros por comida, educação, moradia e saúde numa postura de poder machista-militar, recriando uma corrida nuclear que rouba comida da boca dos famintos de forma nada diferente do que o faz um ladrão, matando mesmo nos momentos em que bombas não estão caindo.

Enquanto a arrogância americana os roubou a simpatia global em face aos seus ataques brutais – e sem dúvida gera mais terrorismo – perdeu-se a noção das verdadeiras ameaças ao planeta – os recursos naturais sendo consumidos loucamente, numa corrida consumista por bens e combustíveis fósseis.

Por 225 anos desde que George Washington eloqüente e publicamente se opôs a prática de tortura, os EUA mantiveram parâmetros de direitos humanos que protegiam mesmo os seus piores inimigos. Mas “justificado” pela guerra contra o terror, o 43º presidente dos EUA subverteu a constituição e aboliu o direito de habeas corpus a prisioneiros de guerra, autorizou escutas telefônicas feitas à população civil, e apoiou a prática de tortura por simulação de afogamento, rompendo assim com mais um dos muitos tratados e acordos que os EUA ignoraram nestes anos negros, a Convenção de Geneva.

Bush pode entrar para a história como o pior presidente dos EUA, como a pessoa responsável por afundar o mundo na maior crise econômica desde a Grande Depressão, como o presidente que afirmou ser “enviado” por Deus, como o Grande Mentiroso que enganou uma nação a fim de engajá-la numa guerra por interesses pessoais, mas talvez ele acabe ficando conhecido como o Presidente Torturador.

Do ponto de vista pessoal não acho que os últimos oito anos foram necessariamente uma era negra. Tive perdas e ganhos. Vivi experiências intensas num EUA mergulhado num delírio que dizem só as drogas e o capitalismo são capazes de induzir. Perdi um avô, mas ganhei o maior presente de minha vida, uma sobrinha. Nos últimos anos andei a pé comendo o chão da América e aprendi que não se propõe um plano b brincando, mas nos últimos anos inventaram o Ipod e os podcasts com seu potencial revolucionário em contraste ao poder corporativo do broadcasting.     

Provavelmente entraremos hoje num novo momento. O pêndulo da história parece mudar de novo a direção. Não se trata das ações que Obama eventualmente tomará, mas muito mais de seu significado.

O mundo é naturalmente interconectado, e a interdependência humana é cada vez mais óbvia. Neste cenário a eleição de um presidente americano importa a todos- não importa quais os rumos que os EUA irão tomar nos próximos anos, eles afetarão a todos, não tanto no espectro da economia quanto no caráter filosófico que a redefinição do capitalismo vai tomar, exigindo criatividade e ética que contraponham a o conservadorismo e a política do medo, o terrorismo reverso que a Era Bush promoveu.

Obama vai errar. Ele é um homem apesar de todo seu simbolismo e significância. Mas o que importa nesse momento é exatamente isso. O que ele simboliza e o que sua eventual vitória nessa noite significará. 

A quem vem acompanhando o processo eleitoral desde o começo, Obama parece mais tenso e reservado nos últimos dias, apesar das pesquisas o favorecerem. McCain parece mais solto e despreocupado, talvez por saber certa a vitória do adversário.  A morte da avó pode ter contribuído para esse aspecto sisudo do candidato democrata. Mas eu acho que se trata de mais.

Logo após uma vitória arrasadora em 1932, nas profundezas da Grande Depressão, Roosevelt teve uma conversa íntima com seu filho Jim.

- Eu sempre tive muito medo de apenas uma coisa, filho – disse Roosevelt. Sempre tive medo do fogo, mas agora pela primeira vez meu medo é outro. Eu tenho medo de não ter forças para dar conta desse trabalho. Após falar com você hoje eu vou rezar para que Deus me dê forças para fazer a coisa certa. Eu espero que você reze por mim também, Jimmy.

 

Por: Drigo

Referências: Adbusters, The New Yorker, The New York Times.

 

 

 

Um comentário:

FelipeFontana. disse...

ja da certa a vitória de Obama então? é o que tudo indica, e sinceramente é o que eu acho tambem, salvo que vejo as eleições americanas de forma muito mais longigua e desinteressada.

Gostei muito do texto Rodrigo, meus sinceros parabéns!